SEDE PERFEITOS

Autora: Jessica Grava

Muitas vezes quando nos reunimos em oração, seja na casa espírita, em nosso lar ou qualquer outro lugar, fazemos apenas por ato mecânico, por obrigação ou por hábito. Mas, é importante não esquecer que o Mestre nos disse que se nos reunirmos em seu nome, independente do lugar, ou da quantidade de pessoas… ele ali estaria. Daí a sumária importância do evangelho no lar, trazer o Cristo para sua casa, para seu cotidiano.

Poderíamos questionar de que forma Jesus poderia estar com todos aqueles que oram por Ele ao mesmo tempo. Por isso, cabe explicitarmos que quando Ele disse que estaria conosco é por que no momento no qual nos propomos em pensar nas palavras e nos ensinos que nos deixou, despertamos em nosso coração uma centelha divina. A qual, na realidade, faz com que nós nos elevemos (ascendemos nossas vibrações, nossos pensamentos), e alcançamos a sintonia daqueles nossos guardiões, nossos guias e amigos espirituais que, em nome de Jesus, estão sempre em nosso auxílio.

No final do ano, quando o Natal se aproxima e a promessa de um ano novo ressurge, cheio de esperanças e renovações é comum ouvirmos falar em Jesus. Até mesmo nas campanhas publicitárias, com fins lucrativos, nem sempre sobre Jesus, mas sobre amor e fraternidade, o que não tem muita diferença. Também são comuns atitudes mais voltadas ao bem e à caridade. Quando desenvolvemos trabalhos assistenciais, esta mudança é ainda mais perceptível. As prateleiras se enchem de alimentos e as sacolas de roupas. Podem observar que entidades, ONG’s etc., que costumam pedir donativos para seus trabalhos, ligam com maior frequência nessa época. Isto se dá porque percebem um maior espírito solidário e aproveitam para recolher as doações que, certamente, faltarão ao passar as festividades.

Porém, não é só aí que ocorre a mudança. As ruas se enfeitam e ficam mais alegres. As pessoas são mais simpáticas e certo clima fraternal toma conta de todos. Alguns, porque sabem que, em breve, ganharão presentes, outros porque nesta data se lembram da presença do Mestre entre nós. E, realmente, Ele fica mais presente, pelo despertar de nossas centelhas divinas. Por isso, falar de Jesus na época de Natal, não é novidade. Normalmente, ouvimos falar de sua trajetória, de suas belíssimas lições e ensinamentos. Aqui não vai ser diferente. Vamos falar de Jesus, aliás, vamos falar sobre aquele ensinamento que teimamos em esquecer.

Proponho que reflitamos não apenas na importância da vida e do ensinamento do nosso Irmão Maior, mas em nossas próprias atitudes enquanto aprendizes da prática das leis, uma vez que nos encontramos em franco caminho evolutivo.

Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, obra magistral da codificação kardecista, no capítulo XVII, sede perfeitos, Kardec inicia os estudos a partir da seguinte passagem:

Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiem e orai pelos que vos perseguem e caluniam. Porque, se somente amardes os que vos amam, que recompensa tereis disso? Não fazem também assim os publicanos? se unicamente saudardes os vossos irmãos, que fazeis com isso mais do que os outros? Não fazem o mesmo os pagãos? Sede, pois, vós outros, perfeito, como perfeito é o vosso Pai celestial. (S. Mateus, 5:44, 46 a 48).

Sede perfeito como o vosso Pai celestial, também não é qualquer coisa. Kardec desenvolve que a perfeição de Deus não nos é possível, foi apenas o recurso utilizado pelo Mestre para que fosse ouvido e entendido. O codificador nos alerta para a busca da perfeição relativa. Explica que a essência da perfeição é a caridade, pois que implica em si as demais virtudes. O espiritismo não nos traz uma nova moral, apenas traduz a do Cristo em termos que possamos compreender. A lição é a mesma, e  Kardec assevera: “reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más”. Para seguirmos esta recomendação do Mestre, não nos é necessário uma transformação imediata, mas, como disse Kardec, a tentativa do melhoramento diário. Sermos melhores hoje do que fomos ontem.

Neste mesmo capítulo, em “instruções dos espíritos”, um espírito protetor, através da mensagem “o homem no mundo”, alerta que não se trata de nos fecharmos, evitando o contato social, mas em tudo que fizermos nos lembrarmos da presença de Deus e nos remeter a Ele. Na questão 770 de “O Livro dos Espíritos”, os espíritos afirmam que o isolamento proporciona apenas a não prática do mal, mas é uma falta, pois que não se efetua a lei de amor e caridade.

É no convívio interpessoal cotidiano que temos a maior oportunidade de praticarmos o bem, de desenvolvermos as nossas qualidades morais.

Em “Estudos espíritas do Evangelho”, ao estudarmos o “Sermão da Montanha” que, segundo Divaldo Franco é o projeto político de Cristo, onde estão suas propostas e ações sistematizadas, Thereza Oliveira ressalta que não basta conhecer, é preciso viver o ensino.

Na questão 625 de “O Livro dos Espíritos”, ao pedir o modelo mais perfeito para seguirmos na Terra, Kardec obtém como resposta: Jesus”. Isto porque Ele é o exemplo mais claro de amor. Segundo Kardec, a perfeição moral que podemos almejar na Terra.

Yvonne Pereira em “À Luz do Consolador”, nos lembra da responsabilidade da doutrina espírita. Não adianta sairmos pela porta do centro e fingir que nada aconteceu depois de uma noite de estudos, de palestras, ou mesmo de artes (músicas, poemas, peças etc.) que nos chamem à responsabilidade. Tampouco se sairmos e não mais voltarmos, acreditando que deixando de ser espíritas as responsabilidades de melhoramento irão se esvair. Ledo engano. É similar à escola, quando aprendemos algo: a lição foi passada, independente de fazermos os exercícios em casa ou não, na hora da prova a questão vai estar lá. Se praticarmos em casa, será muito mais fácil, se não praticarmos… teremos que fazer a recuperação para lembrarmos aquilo que aprendemos e não soubemos aproveitar.

Neste momento, todos estamos bem informados do pedido do Mestre: Sede perfeitos. Não há volta. Mas, não se desesperem. O espírita verdadeiro não é aquele que se veste de beatice, pieguice das atividades forçadas, que finge virtudes inexistentes; mas, aquele que reconhece que precisa se reformar, operando em si mesmo um aperfeiçoamento dos valores morais, renovação de caráter, de hábitos, pensamentos, ações…

Cairbar Schutel em seu “Parábolas e Ensinos de Jesus”, adianta que os deveres humanos estão em relação com seu grau de adiantamento, com suas aptidões físicas, intelectuais e psíquicas. E a dor, que é semelhante à morte, por atingir a todos, servirá sempre como sentinela para voltarmos ao caminho do bem. Amar a Deus, ao próximo e a ti mesmo, de todo o teu entendimento, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com todas as tuas forças.

Mas, lembremo-nos que Jesus nos pediu misericórdia e não sacrifício. Na questão 880, de “O Livro dos Espíritos”, os espírito da codificação deixam claro que as ideias pouco se modificam, “conforme os indivíduos […] algumas gerações são necessárias para que velhos hábitos se apaguem”.

Na questão 632, os espíritos relembram que Jesus disse: “vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.

Quando falamos de reformar a nós mesmos, de transformar nossas atitudes e pensamentos, falamos daquilo que Divaldo chama de “autocristificação”, falamos em despertar o Cristo em nós. A reforma íntima trata de trabalhar o desenvolvimento dos valores humanos na intimidade.

Em “Reforma íntima sem martírio”, Ermance Dufaux ressalta que “se reformar é tomar consciência do ‘si mesmo’, da ‘perfeição latente’ à qual nos destinamos. Em outras palavras, estamos enaltecendo o ato de autoeducação”. Educação vem do latim educare, e significa tirar, de dentro pra fora. Renovar é extrair da alma os valores divinos que recebemos quando fomos criados.

Devemos tomar cuidado para não encararmos a reforma íntima como uma pura e simples paga de um suposto pecado original, um conceito obsoleto. Não se trata de mera punição pelos nosso erros, de nos privarmos daquilo que nos deixa feliz. Mas, de desenvolvermos o melhor que há em nós e alimentarmos, através da caridade, o amor que adormece em nossos corações. Dufaux nos orienta: menos contenta e mais conscientização. A culpa não renova, limita. Não educa, contém.

Outro  cuidado que devemos tomar e jamais esquecermos é o de que ser cristão, ou ser espírita, não é ser perfeito. Não raro ouvimos a expressão “estou tentando ser espírita”. Somos espíritas a partir do momento que estudamos a doutrina e procuramos praticar a caridade, mesmo dentro de nossos limites. Não nos tornaremos perfeitos de um momento para o outro, devemos procurar a melhora a cada dia e, assim, buscarmos hoje ser melhor que ontem, amanhã melhor que hoje e assim sucessivamente. Se hoje  nos pegamos em erro, sendo rudes, indiferentes ou maledicentes, se não houver mais tempo de corrigir o estrago ou amenizar o efeito, busquemos amanhã não praticarmos tal ato. No dia seguinte, procuremos desenvolver a virtude oposta, assim, sermos mais gentis, atenciosos, consoladores.

A reforma íntima é um exercício de melhoramento cotidiano. Não basta pararmos de beber, comer carne, evitar certos lugares, não nos envolvermos em política, não chorarmos em velórios, tomar passes tantas vezes por semana, ler uma infinidade de livros espíritas etc., tais feitos não resumem o verdadeiro espírita, não espelham uma conduta de transformação moral. São meros instrumentos de purificação exteriores. Mas, a verdadeira mudança se dá dentro de cada um. Não quero com isto dizer que o exorcismo dos vícios é ruim ou que não deve ser feito, pelo contrário, pode até ser um começo. O que não se pode fazer é aceitar que tais mudanças sejam uma exigência para o verdadeiro espírita. Para Dufaux, tal crença está recheada de ancestralidade e hipocrisia. Conforme evoluímos, certas atitudes vão, naturalmente, tornando-se interessantes, à medida que preenchamos nosso tempo e mente com outras preocupações. A reforma é uma mudança interior.

Nós espíritas, imperfeitos que somos, ainda encontramos uma terceira maneira de fugirmos da responsabilidade da reforma íntima. De posse do conhecimento da influência que os espíritos exercem sobre nós, desviamos o sentido dos ensinos e nos defendemos dizendo que se não agimos corretamente é porque um obsessor está nos segurando, nos perturbando etc.

Neste mesmo livro, Ermance nos narra uma história. Ela estava trabalhando no hospital, no qual atende nossos amigos espirituais, quando a mentora responsável pelo trabalho a convocou dizendo que havia recebido um chamado, através da oração de um companheiro que auxiliavam. Este estava iniciando os estudos sobre mediunidade dentro de um centro espírita e pedia a ajuda da espiritualidade para um problema no seu comércio. Por não ter pago alguns impostos, a prefeitura enviou um fiscal em sua loja regularmente. O homem reclamava para consigo mesmo que aquilo, certamente, era obra dos obsessores que, vendo seu bom encaminhamento na casa espírita, estavam lhe provando. Mas, Ermance narra que ao olhar o entorno, não havia nenhum espírito ali o perturbando. Sem muito o que fazer para o auxiliar, pois claramente se tratava de um erro que ele havia cometido ao deixar de pagar os impostos, as duas observaram a chegada do fiscal que, em mera visita burocrática, entregou a intimação. Quando este saiu, o proprietário, sorrindo, declarou como era boa a espiritualidade que o havia protegido e evitado um mal maior. Ermance se admirou, pois elas não haviam feito nada, além de procurar o acalmar. a mentora, então, afirma-lhe que os homens vêm espíritos onde não há e não os vêm onde estão.

Nós também agimos como o comerciante. Os espíritos interferem em nossas vidas e há muitos casos para comprovar, mas na maioria das vezes, trata-se de nós mesmos. Vale lembrarmos que obsessores são espíritos como nós, mas, na maioria das vezes, desencarnados. Assim, como eles, nós também temos nossos defeitos, vícios e maus pensamentos. Para além, ainda que haja um espírito ali nos perturbando, não podemos nos isentar da culpa, pois na questão 490 de “O Livro dos Espíritos” quando Kardec interroga sobre a influência de espíritos inferiores, a resposta é clara: “a fraqueza, o descuido ou o orgulho do homem são exclusivamente o que empresta força aos maus espíritos, cujo o poder todo advém do fato de não opordes resistência”.

Amigos, despertar o Cristo em nós é buscar o melhor que cada um pode ser. É levar a paz, o amor, o espírito fraternal para onde formos. Quando na Terra, Jesus não tratou de forma diferente a ninguém, nem ricos, nem pobres, nem os mais ignorantes, nem os mais esclarecidos. Ele igualou a todos, como amigos, e se colocou próximo, como irmão. Esta lembrança que nos é trazida por Joana de Ângelis, na obra “Estudos espíritas”, faz-nos lembrar que Jesus amou sempre, pois que o amor é fonte de vida.

Humberto de Campos em “Brasil, coração do mundo – pátria do Evangelho” nos elucida que o verdadeiro cristão é aquele que se esforça para se espiritualizar, para se tornar exemplo para as sementes do amanhã.

Quando a aridez dos corações for trabalhada e transformada em terra fértil para a frutificação, já não haverá mais pregação, mas exemplificação.

Estes estudo é, na verdade, um convite. Nesta época de fraternidade, na qual nos enchemos de alegria e amor, que possamos absorver um pouco dessas ideias que são tão vinculadas neste período. Que não nos esqueçamos do compromisso assumido ao nos dizermos cristãos. Que procuremos ser um pouco melhor a cada dia, assumindo a responsabilidade de nossos atos, compreendendo, por fim, que o pedido do Mestre nos foi feito há mais de dois mil anos e que Kardec nos ofertou o caminho: a caridade.

Sejamos amáveis, gentis, vigilantes… se não de todo, ao menos um pouco mais. Se realizarmos esse exercício, estaremos praticando a autocristificação, despertaremos as sementes divinas adormecidas em nossos corações.

Lembremos: Jesus permanece conosco!

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