A GÊNESE – OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO O ESPIRITISMO
Estudo doutrinário de: Jessica Grava
Autor: Allan Kardec Editora: FEB Data da 1ª edição 1868 |
O propósito deste estudo
Será iniciado no mês de novembro de 2017 mais um estudo completo da obra “A gênese – os milagres e as predições segundo o espiritismo”. Pretende-se abordar os temas elencados no livro de forma simples e objetiva, facilitando a leitura de um dos volumes menos lidos de todo o pentateuco kardecista.
Embora os temas tratados neste livro sejam de amplo interesse para aqueles que desejam penetrar os conhecimentos da doutrina, a falta de familiaridade com algumas das questões abordadas na obra, dificulta a compreensão das lições em toda sua profundidade. Sendo assim, este estudo deverá ser realizado em conjunto, entre mim e os leitores ou leitoras. Todas as questões, e complementos, que surgirem durante as interpretações dos textos, podem e devem ser encaminhadas nos comentários. Garanto a resposta de todas.
Para um maior proveito do presente exercício, recomenda-se que a leitura da obra (original) seja realizada juntamente com os apontamentos publicados aqui.
Com os votos de que estes momentos de leitura sejam de grande prazer e proveito, será iniciado, e mensalmente atualizado, o estudo da obra A Gênese. Boa leitura a todos e todas!
Introdução
A Gênese foi o último livro publicado dos cinco estudos básicos da doutrina espírita. Por essa razão, Allan Kardec o coloca como uma obra complementar, ou seja, o ideal seria ler ela após a leitura das primeiras quatro obras. A ordem da leitura das obras da codificação não é em vão.
Quando se observa mais atentamente “O Livro dos Espíritos”, primeira obra da codificação, é possível notar que ele serve como uma ‘introdução’ a todo o conjunto das obras kardecistas. A primeira parte do citado livro, em especial, irá garantir o prólogo ideal aos temas tratados em “A Gênese”.
O cuidado de Allan Kardec, ao inserir a presente obra no conjunto de seus estudos, é evidenciar a questão central da mesma:
[…] tem ela por objeto o estudo dos três pontos até hoje diversamente interpretados e comentados: a Gênese, os milagres e as predições em suas relações com as novas leis que decorrem da observação dos fenômenos espíritas. (KARDEC, 1868).
Note-se que ao afirmar que o estudo será feito após a observação, Kardec demonstra sua intenção de desenvolver um estudo empírico dos fenômenos espíritas, ou seja, uma análise da prática de manifestações tidas como sobrenaturais. Assim, a intenção do codificador é realizar a desmistificação dos mesmos e sua análise dentro das Leis Naturais, ou divinas.
A doutrina espírita mantém sua peculiaridade, em relação às demais religiões, ao trazer uma perspectiva racional aos fenômenos, tidos por outros, metafísicos. Assim, a obra pretende demonstrar que os chamados “milagres” das escrituras sagradas não têm nada de sobrenatural, pelo contrário, estão em absoluta concórdia com a natureza.
O primeiro ponto explorado é a dualidade da existência. Segundo Allan Kardec, o universo pode ser dividido em duas dimensões: material e espiritual. Contudo, cabe ressaltar que esta relação não é opositiva, mas complementar. Sendo assim, pode-se compreender que o mundo material e o plano espiritual são suplementares.
Desta forma, o autor quebra o paradigma de eventos sobrenaturais. Os eventos tidos como fantásticos ou extrafísico – que escapam às leis da física –, na realidade, estão em consonância com a integração dos elementos do plano espiritual com o material. A solução para a compreensão destes fenômenos, segundo Kardec, é estuda-los em conjunto.
Os esboços acerca destas manifestações são realizados por cientistas que enxergam apenas o lado material dos mesmos, não chegando a nenhum resultado satisfatório, ou são dadas soluções metafísicas, construídas a partir de dogmas religiosos que não convencem aqueles que se voltam a reflexão. A nova possibilidade que o espiritismo abre, é a de compreender esses fenômenos através de um olhar racional, mas alicerçado nos conhecimentos transmitidos pela espiritualidade.
Assim como nas demais obras da codificação, na organização de “A Gênese”, Allan Kardec também foi criterioso quanto ao método. Todas as informações transmitidas pela equipe espiritual foram confrontadas e checadas diversas vezes. As ideias que escapavam à concordância da equipe espiritual eram desconsideradas¹. Por essa razão, alguns apontamentos complementares à obra podem ser encontrados na Revista Espírita².
Sem embargo da parte que toca à atividade humana na elaboração desta Doutrina, a iniciativa da obra pertence aos Espíritos, porém não a constitui a opinião pessoal de nenhum deles. Ela é, e não pode deixar de ser, a resultante do ensino coletivo e concorde por eles dado. Somente sob tal condição se lhe pode chamar Doutrina dos Espíritos. Doutra forma, não seria mais do que a doutrina de um Espírito e então teria o valor de uma opinião pessoal. (KARDEC, 1868).
Quaisquer informações divulgadas por Allan Kardec, no pentateuco espírita, são o resultado de um árduo trabalho de comparação análise e investigação. A “generalidade” e a “concordância” são fundamentais, segundo o codificador.
A última obra da codificação foi didaticamente dividida em três partes: “A Gênese segundo Espiritismo”, “Os Milagres segundo o Espiritismo” e “As Predições segundo o Espiritismo”, respectivamente. A primeira parte é composta de 12 capítulos que tratam de conceitos fundamentais à doutrina, a formação do planeta e a composição do mundo material e espiritual. A segunda seção é constituída por 3 capítulos (mais longos) que tratam da teoria espírita acerca dos milagres, da explicação espírita sobre os mesmos e das passagens evangélicas onde eles aparecem. A terceira e última divisão é composta por 3 capítulos também, nos quais é estabelecido o conceito de predição, os relatos evangélicos dos mesmos e algumas considerações sobre as reflexões que a obra nos proporciona.
Cada item será desenvolvido calmamente, para que não fique nenhuma questão sem reflexão. Por essa razão, o estudo não tem prazo de término. Um estudo profundo e dedicado não é rápido, mas certamente é compensador.
Capítulo I – Caracteres da revelação espírita
Parte 1 (item 1 ao 16)
O primeiro capítulo de A Gênese é um compilado de questões bem formuladas que Allan Kardec procura responder de forma bastante direta.
A primeira destas questões, certamente a mais profícua, é acerca da revelação espírita. Assim, o codificador se preocupa em esclarecer se a doutrina dos espíritos pode ser compreendida enquanto revelação, no sentido etimológico da palavra.
O termo “revelação” provém do latim e em sua composição original significa algo como “tirar o véu”, analisando o sentido figurado do termo podemos deduzir que seu significado é de conhecer/descobrir. Ora, se o termo revelação denota trazer algo que estava obscuro ou incompreensível à luz, então se a doutrina espírita se pretende reveladora, algo novo deve ter sido apresentado ao mundo com seu advento.
Mas, Allan Kardec vai além. Segundo o codificador, não basta que algo seja apresentado ao conhecimento dos interessados para ser considerado uma revelação. É necessário, sobretudo, que a informação, ou o fato, trazidos sejam uma verdade. Em outros termos, é essencial que quando contestado o dado descoberto possa ser passível de argumentos racionais que o defenda e prove sua existência e aplicabilidade.
O contexto de surgimento da doutrina espírita nos traz uma base bastante sólida para se compreender a metodologia aplicada em seu desenvolvimento. O século XIX foi o período histórico no qual as ciências estavam mais distantes das ortodoxias religiosas, isso devido ao afastamento político realizado entre a igreja e a academia, as universidades, após a idade média. Foi com o pensador francês Auguste Comte (1789 – 1857) que a ideia de uma ciência empírica, para além das ciências exatas e biológicas, ganhou maior força. Mas, o que seria o empirismo?
O empirismo é uma metodologia analítica baseada na experiência sensível, isto é, naquilo que se pode observar o funcionamento. Comte acreditava que a observação dos fenômenos era válida para as ciências exatas e biológicas, bem como para as ciências humanas. Segundo o pensador, seria possível estabelecer análises monotéticas para a sociedade da mesma forma que era feito nas demais ciências.
Para fins de esclarecimentos, vale que observemos os fatos descobertos e comprovados pela ciência terrena. As leis que regem a física, como exemplo as três leis de Newton (1643 – 1727) – inércia, força e ação/reação – são teorias que surgiram a partir de testes e experiências empíricas (práticas), não apenas de deduções analíticas. Para Comte, as mesmas metodologias utilizadas para a criação das leis da física poderiam ser utilizadas para criação de leis gerais da sociedade.
Os pensamentos e ideias de Comte tiveram grande influência na formação de Allan Kardec, como ele próprio afirma. O positivismo permitiu a criação de regras gerais de funcionamento da sociedade, com base em dados estatísticos, e, consequentemente, o estabelecimento de normas e leis rígidas que trariam a ordem, única forma de se atingir o progresso, segundo esta corrente filosófica. A hierarquia e a ordem são fundamentais para essa teoria1.
Do ponto de vista religioso, no entanto, a teoria de Comte se distancia do espiritismo. A ideia do intelectual positivista era a criação de templos, nos quais a estrutura e hierarquia da Igreja católica seria copiada, mas a parte teológica seria desprezada. A ideia de Deus, em Comte, era negada por se basear em teorias metafísicas, ou seja, não havia como provar através de experiências físicas e observáveis a sua existência, a única forma de se crer em Deus seria através de deduções.
Neste ponto, Allan Kardec se distancia da visão positivista. Segundo o codificador é possível aplicar o método positivista à metafísica, através das manifestações mediúnicas:
[…] o Espiritismo é uma ciência de observação, e não o produto da imaginação. As ciências não tiveram progresso sério senão depois que o seu estudo se baseou no método experimental; mas até esse dia, acreditou-se que este método não era aplicável senão a matéria, ao passo que o é, igualmente, às coisas metafísicas. (Allan Kardec, A Gênese, cap. I, item 14).
Dessa forma, o codificador nos explica que as informações obtidas da espiritualidade eram vistas como experimentos científicos2. No primeiro capítulo de A Gênese, Allan Kardec afirma que para um dado apresentado pelos Espíritos ser considerado um fato, ele era antes experimentado pelos médiuns e estudiosos da doutrina, analisado e deduzido. Assim, a doutrina espírita tem um duplo caráter:
- É o resultado de uma revelação divina.
- É o resultado de uma revelação científica.
Resulta da segunda no sentido de que […] a doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; que é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos colocam sob seus olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, e das quais ele mesmo tira as consequências e aplicações. Em outras palavras, o que caracteriza a revelação espírita é que sua fonte é divina, que a iniciativa pertence aos Espíritos, e que a elaboração resulta do trabalho do homem. (Allan Kardec, A Gênese, cap. I, item 13).
Vimos que a doutrina espírita só pode ser uma revelação se obedecer dois critérios:
1º ser algo novo, que estava oculto.
2º ser verdadeiro, portanto, algo que se sustente em argumentos racionais.
Quanto ao primeiro critério, Allan Kardec aponta que, embora o espiritismo não tenha sido o único a trazer ideias como vida após a morte, existência de espíritos e acerca da influência dos mesmos na vida terrena, a doutrina espírita foi a primeira a trazer dados sobre a vida espiritual. Foi a primeira teoria a apresentar as leis que regem as relações do mundo visível com o mundo invisível, as interações com a natureza e com o universo.
O segundo critério é o que mais difere o espiritismo das demais religiões espiritualistas. Há, segundo Kardec, muitas verdades trazidas por diferentes religiões às diversas sociedade e em tempos vários. Contudo, quais revelações podem ser sustentadas racionalmente? Através de análises, comparações e reflexões? Quantas se sustentaram pelos séculos vindouros?
Uma verdade não pode ser relativizada pelos acontecimentos históricos, ou pela passagem dos séculos. A revelação divina, segundo Kardec, é aquela que se caracteriza pela “eterna verdade”. Sendo assim, nenhuma informação já contradita pela ciência poderia ter emanado de Deus.
Parte II (item 17 ao 30)
Antes de prosseguirmos o estudo, faz-se necessário alguns apontamentos quanto à característica própria do desenvolvimento científico. A ciência em si não é construída à partir de certezas irrefutáveis, mas de hipóteses observáveis e questionáveis quanto à sua metodologia. Essa característica faz dessa área do conhecimento um campo de disputa e de superação constante.
As várias especializações da ciência se complementam, tornando a compreensão do mundo mais tangível e menos complexa. Mas, de forma alguma inerte. O conhecimento científico se move, amplia e cresce com o passar das experiências e das teorias.
Na antiguidade grega, os filósofos buscavam o arché, elemento que seria a base de toda a matéria (e para alguns até da metafísica[1]), muitas foram as teorias que tentaram desvendar esse mistério do universo. Durante muito tempo, a teoria de Empédocles de Agrigento (484-421 a.C.), foi amplamente aceita: o mundo seria constituído de quatro elementos básicos (terra, fogo, agua e ar). Na ciência moderna, no entanto, aceitamos um elemento como base de toda a matéria. A descoberta do átomo e de sua composição, embora remeta às pesquisas em torno do arché (especialmente Leucipo e Demócrito) foi consolidada na era contemporânea com os modelos de Dalton (1803), Thomson (1897) e Rutherford-Bohr (1910).
Vale salientar, no entanto, que antes desses últimos modelos serem apresentados, o espiritismo já havia analisado e evidenciado a ligação da matéria com um outro elemento que a animava. Segundo Allan Kardec (A Gênese, capítulo I, item 18) :
Ao elemento material, juntou ele o elemento espiritual. Elemento material e elemento espiritual, esses os dois princípios, as duas forças vivas da natureza. Pela união indissolúvel deles, facilmente se explica uma multidão de fatos até então inexplicáveis.
Vamos sempre nos lembrar que o espiritismo deve caminhar ao lado das ciências, tendo sido, por si mesmo, fruto de um método experimental e de observação. Nossa doutrina se desenvolve a partir de princípios já existentes. Para Kardec, muitos confundem o espiritismo com bruxaria e feitiçaria, por verem algumas semelhanças, tais como as manifestações da mediunidade, porém, ao olhar para todo o conhecimento humano, veremos neles raízes místicas, como a química tem sua base na alquimia e a astronomia na astrologia.
A racionalidade do mundo pós-renascimento trouxe um olhar diferente sobre os conhecimentos humanos, e o espiritismo também propõe um olhar mais racional sobre os fenômenos mediúnicos e magnéticos, como veremos adiante. A mediunidade, usada com sensatez e princípios solidários, é uma ferramenta de grande utilidade que nos revela um mundo novo, mudando nossos valores, certezas, crenças e objetivos existenciais. Por isso, Kardec se permite considerar o espiritismo a terceira grande revelação.
Criamos uma pequena tabela com um compilado das informações colocadas pelo autor:
Moisés |
Jesus Cristo |
Espiritismo |
Monoteísmo (Deus único) | Vida após a morte (justiça divina sobre nossas ações na Terra) | Existência de um mundo invisível que nos rodeia e povoa o espaço (explicando a existência da alma e do corpo, a vida e a morte). |
Primeiro tratado de leis Naturais ou divinas. | Alteração da imagem do divino (Deus misericordioso, justo e bom). | Progressão moral através de existências sucessivas (criação igualitária das almas – sem anjos ou demônios) |
Cabe lembrarmos, segundo Allan Kardec, que o próprio Cristo, em várias passagens, salientava que ainda não estávamos preparados para a “verdade” e que esta se revelaria em tempo oportuno.
Muitas das coisas que vos digo ainda não as compreendeis e muitas outras teria a dizer, que não compreenderíeis; por isso é que vos falo por parábolas; mais tarde, porém, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito de Verdade, que restabelecerá todas as coisas e vô-las explicará todas. (João, 14 e 16; Mateus, 17.)
Não devemos passar pela palavra consolador sem refletirmos em seu profundo sentido. Cada sentido das frases do Cristo deve ser estudado cuidadosamente. Segundo Kardec, Jesus previra a necessidade de consolações no futuro, segundo as disputas e variações de crença. Na realidade, o grande diferencial foi o desenvolvimento do conhecimento humano e científico. A revelação dos princípios da doutrina espírita ocorreu no século XIX, período carregado de “emancipação intelectual e […] liberdade de consciência”.
As religiões e os princípios das leis naturais deixaram de ser conhecimentos específicos de teólogos, passando a permitir que todos testassem e questionassem as suas verdades.
***
Notas:
Parte III (item 31 ao 40)
A vida após a morte: É importante destacarmos a importância que o espiritismo traz para nós encarnados, ao confirmar a existência após a morte. Através da comunicação foi possível, segundo A. Kardec entendermos mais sobre a vida futura, não apenas como mera esperança, mas como uma verdade.
Dessa forma, entendemos que nossos méritos e deméritos são consequências de nosso grau evolutivo e de nossas ações, sabendo que somos capazes de pensar e agir de acordo com nossa vontade. Sendo assim, nossos sofrimentos não são eternos, pois têm a mesma durabilidade de nossa persistência nas atitudes más. Sendo o arrependimento e a redenção sempre possíveis.
A multiplicidade da vida: A pluralidade das existências, também é um balde de esperanças aos adeptos do espiritismo. Sobre este tema, o autor relembra que já havia sido citado pelo próprio Cristo. A partir desse princípio, todas as injustiças aparentes recebem uma explicação. Não há “favoritos” ou “privilegiados” para Deus, como costumavam crer os seguidores do Calvinismo e das religiões que se desenvolveram a partir dessas ideias.
A reencarnação: Ao contrário do que se pensa, entre aqueles que não estudam a doutrina. A teoria da reencarnação não afrouxa os laços familiares, muito pelo contrário.
Com a doutrina da criação da alma no instante do nascimento, vem-se a cair no sistema das criações privilegiadas; os homens são estranhos uns aos outros e nada os liga; os laços de família são puramente carnais; não são de nenhum modo solidários com um passado em que não existiam; com a doutrina do nada após a morte, todas as relações cessam com a vida; os seres humanos não são solidários no futuro. Pela reencarnação, são solidários no passado e no futuro e, como as suas relações se perpetuam, tanto no mundo espiritual como no corporal, a fraternidade tem por base as próprias leis da natureza; o bem tem um objetivo e o mal consequências inevitáveis. (KARDEC, A. A Gênese, cap. 1, item 35)
A reencarnação também desmonta os preconceitos sociais (de classe, gênero, etnia, raça etc.), isso porque a alma pode reencarnar em diferentes situações.
A ideia de que a vida inicia no berço e cessa no túmulo faz com que muitos se sintam livres para enganar e mentir, desde que tenham meios para burlar a lei civil, mas o espiritismo traz a ideia de que todas as relações que travamos trazem consequências boas ou más e que seremos sempre responsabilizados por nossas ações.
Haja vista que a teoria do pecado original também advoga contra a ideia de justiça divina, sendo que estaríamos pagando pelos erros de outrem, o espiritismo é contrário a tal teoria e defende, pela reencarnação, que nossos infortúnios estão conectados com nossas próprias ações e escolhas do passado. Lembrando, sempre, que iremos nos aperfeiçoando (cada um em seu ritmo) até o ponto que a reencarnação seja desnecessária. A reencarnação pode, da mesma forma, nos responder de forma racional à questão dos “dons”, facilidades de apreensão ou conhecimentos “natos” que alguns “gênios” trazem consigo, evidenciando que essas qualidades nada mais são do que conquistas de outras vidas.
Os fluídos: dentro dos estudos do espiritismo está o das propriedades dos fluídos espirituais e sua ação sobre a matéria. Foram esses estudos que nos trouxeram a ideia do perispírito (já citado por Paulo pelo nome de “corpo espiritual”). Mas o que o espiritismo explica o que é esse perispírito?
É muito importante lembrarmos que o espírito não é o perispírito, embora eles tenham uma ligação indestrutível e sejam inseparáveis. Não há perispírito sem espírito.
O perispírito serve como um meio de ligação entre o corpo e a alma; é o perispírito que atua diretamente na matéria trazendo consequências fisiológicas e psicológicas (ver O livro dos espíritos, cap. VII, questão 367 e sequentes).
Parte IV (item 41 ao 52)
Allan Kardec se preocupa em evidenciar que a doutrina espírita não pretende ir contra o ensino do Evangelho ou, sequer, renová-lo. Mas, explicar suas lições de forma mais inteligível e separar as “alegorias” da realidade, de forma que a essência da doutrina cristã fosse lapidada para os novos tempos.
Para além, é importante lembrar do pape consolador da doutrina que é muito bem cumprido pela certeza da vida após a morte, pelas múltiplas encarnações, pelos aprendizados conquistados que jamais são perdidos. Por tudo isso, o espiritismo carrega a bandeira da consolação amiga, que dá esperança e nos enche de vontade de aprender, conhecer e amar.
Muitos pais deploram a morte prematura dos filhos, para a educação deles fizeram grandes sacrifícios, e dizem consigo mesmos que tudo foi em pura perda. À luz do Espiritismo, porém, não lamentariam esses sacrifícios e estariam prontos a fazê-los, mesmo tendo a certeza de que veriam morrer seus filhos, porque sabem que se estes não a aproveitam na vida presente, essa educação servirá, primeiro que tudo, para o seu adiantamento espiritual; e, mais, que serão aquisições novas para outra existência e que, quando voltarem a este mundo, terão um patrimônio intelectual que os tornará mais aptos a adquirirem novos conhecimentos. (A GÊNESE, item 42)
A força do espiritismo se mostra em sua força de propagação, mas mais ainda, em sua eficiência consoladora. A doutrina espírita veio para consolar os aflitos, que em nosso mundo, ainda dão maioria, ela dá esperança, razoabilidade, entendimentos, consolo e sentido. Não há ideia mais consoladora que a do perpétuo reencontro com aqueles que amamos.
Em março de 1861 na Revista Espírita, em Ensinos e Dissertações Espíritas: A lei de Moisés e a lei do Cristo, em comunicação feita ao Sr. R…, de Mulhouse, o espírito que assina Mardoché R. nos explica que o cristianismo é a continuidade das verdades lançadas por Moisés. Este espírito nos instrui que o espiritismo também tem uma função a zelar:
É a lei do progresso, à qual está submetida a Natureza; e o Espiritismo é uma das forças vivas de que Deus se serve para fazer a Humanidade avançar na via do progresso moral. São chegados os tempos em que as idéias morais devem desenvolver-se para realizar o progresso que está nos desígnios de Deus; elas devem seguir a mesma rota percorrida pelas idéias de liberdade, das quais eram precursoras. Mas não se deve crer que esse desenvolvimento se fará sem lutas.
Sendo assim, o consolador prometido por Cristo, é aquele que pode continuar os ensinos do Cristo, sem alterar sua essência, mas sem se congelar em preceitos e dogmas. A terceira revelação, diferente das duas primeiras, não veio personificada em uma pessoa (Moisés e Jesus), mas veio a nós de forma coletiva, o que segundo Kardec, é essencial.
A terceira (revelação) tem isto de particular: não estando personificada em um só indivíduo, surgiu simultaneamente em milhares de pontos diferentes, que se tornaram centros ou focos de irradiação. Multiplicando-se esses centros, seus raios se reúnem pouco a pouco, como os círculos formados por uma multidão de pedras lançadas na água, de tal sorte que, em dado tempo, acabarão por cobrir toda a superfície do globo (A GÊNESE, item 46)
O espírita é como um cientista, que ao ter os dados, provindos dos nossos amigos espirituais, os investiga e estuda, compara com a análise de outros, compara com sua própria inteligência e com os estudos anteriores para, por fim, considera-los verdadeiros. “O nosso maior mérito é a perseverança e a dedicação a causa que abraçamos”.
O fato de o espiritismo não ter um polo único da revelação, fez com que a doutrina não se perdesse em vaidades individuais e que se espalhasse, por todo o globo, em grande velocidade. Para além, sendo uma doutrina dos espíritos e sendo esse um fato da natureza ela é impossível de ser suprimida pelas forças terrenas, podendo sempre ressurgir em outro espaço ou tempo com as mesmas verdades.
Após essas considerações, Kardec compara a divulgação das leis de Moisés e o cristianismo, mostrando que o tempo, alterou a forma como uma mesma realidade era contada. Isso ocorre porque há uma alteração no entendimento do povo. Vejamos nós mesmos, não é incrível a velocidade com que os jovens hoje entendem de tecnologia e aprendem a mexer em máquinas que em nossa infância nem sonhávamos que existiriam? Isso porque a inteligência e os desafios de cada geração ensinam algo novo e mudam a nossa forma de ver o mundo.
Por isso, mesmo na mesma região, as lições de Jesus já foram passadas e entendidas de forma muito diferente das de Moisés, mas ainda ancoradas na fé e na ideia de justiça. Porém, menos impositiva, mais conselheira. Já o espiritismo, vem em uma época de valorização da razão. Por isso, é uma doutrina de método científico e que exige o estudo de seus acolhedores, a instrução e a reflexão.
Parte V (item 53 a 55)
É importante lembrarmos que o espiritismo não é um culto de manifestações e fenômenos paranormais. A doutrina espírita vem, na realidade, unir os pontos e demonstrar como a verdade da vida foi sendo revelada ao longo da história. Sendo assim, muito pelo ao contrário, a doutrina não vem trazer fenômenos paranormais, mas explicar que a vida é muito mais ampla e que nada há de anormal ou extraordinário nas comunicações mediúnicas. A realidade que vemos é parcial, tal qual a própria ciência hoje nos mostra com estudos e demonstrações de uma realidade invisível aos olhos. Incluindo a limitação da acuidade dos olhos humanos.
O espiritismo para se sustentar enquanto verdade, no entanto, não se volta apenas a um depoimento ou a um fenômeno mediúnico. Todas as informações trazidas nas cinco obras principais de Kardec – O livro dos Espíritos, O Evangelho, segundo o espiritismo, O céu ou o inferno, ou a justiça divina segundo o espiritismo, O livro dos Médiuns e A gênese – foram realizados através do trabalho intensivo de reunião, comparação e estudo de diversas comunicações.
Dessa forma, vemos que o espiritismo ganhou uma unicidade através da essência das mensagens trazidas. Pessoas diferentes em todos os cantos do mundo receberam mensagens similares. Essas se tornaram a base da doutrina, sempre passando pelos crivos da razão e da ciência. Semelhante ás “peneiras da sabedoria de Sócrates”. Esse filósofo certa vez afirmou a um rapaz, que veio lhe dar notícias de outro, que toda informação deve passar por três peneiras: a da verdade, a da bondade e da utilidade. Kardec, fez esse filtro nas lições que lhe foram transmitidas e daí resultou a doutrina espírita.
Mas, se observarmos a data da codificação com as informações que os espíritos trouxeram, veremos que muitos apontamentos lá feitos só foram ser confirmados pela ciência anos depois. Isso ocorre porque as informações trazidas pelo espiritismo foram reveladas por diversos espíritos nas diferentes áreas do conhecimento, com diferentes níveis de intelectualidade e interesse. Assim, tal qual a Enciclopédia na Era Moderna, O Livro dos Espíritos reúne o conhecimento acima daquele que pode ser conhecido por apenas um homem, ou até mesmo, por apenas um espírito. Vemos no Evangelho também inseridos depoimentos e experiências de espíritos que vêm nos alertar com os aprendizados pessoais que desenvolveram ao longo de suas existências.
Por fim, gostaria de salientar que o espiritismo se sustenta na prática empírica. Ou seja, todas as suas afirmações podem confirmadas. A aliança da doutrina com a ciência é evidente.
As descobertas da ciência glorificam Deus em lugar de diminuí-lo; elas não destroem senão o que os homens estabeleceram sobre as ideias falsas que fizeram de Deus. (item 55).
Ora, se Deus criou o mundo e se Ele é onisciente, então todo o conhecimento do mundo deve, pela lógica, estrar em concordância com as Leis Divinas. Devemos cuidar para que o espiritismo jamais perca essa sua característica de estar sempre atualizado e em acordo com a doutrina espírita.
amei começar este estudo,mais eu gostaria de continuar,como faço?
Olá, Jacira. Os próximos capítulos serão postado em breve