ESTUDAR O ESPIRITISMO
Estudo de: Marlene Fagundes Carvalho Gonçalves (mfcgoncalves@uol.com.br)
O tema acima nos chama, logo de início, a algumas reflexões: O que é estudar? O que é espiritismo? Segundo o dicionário Aurélio, o verbete estudo significa, entre outras coisas: “Aplicação do espírito para aprender”. Seria o voltar-se, com dedicação, para um objeto que é foco de nossa atenção, debruçando-se sobre ele para entendê-lo.
Qual seria esse objeto, no nosso caso? Seria o espiritismo.
No livro “O que é o Espiritismo”, Kardec (sobre quem também nos debruçaremos mais adiante) traz:“O espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal”.
“Ninguém, pois, se iluda: o estudo do espiritismo é imenso; interessa a todas as questões da metafísica e da ordem social; é um mundo que se abre diante de nós” é o que nos alerta Kardec, no Livro dos Espíritos.
Como podemos, então, estudar o espiritismo?
Será que basta pegarmos um livro e abrir ao acaso, lendo uma mensagem ou uma pequena parte? Kardec (ainda no Livro dos Espíritos, Introdução) contribui também para essa reflexão:
Acrescentemos que o estudo de uma doutrina, qual a doutrina espírita, que nos lança de súbito numa ordem de coisas tão nova quão grande, só pode ser feito com utilidade por homens sérios, perseverantes, livres de prevenções e animados de firme e sincera vontade de chegar a um resultado.
E continua:
Quem deseje tornar-se versado numa ciência tem que a estudar metodicamente, começando pelo princípio e acompanhando o encadeamento e o desenvolvimento das ideias. Que adiantará aquele que, ao acaso, dirigir a um sábio perguntas acerca de uma ciência cujas primeiras palavras ignore? Poderá o próprio sábio, por maior que seja a sua boa-vontade, dar-lhe resposta satisfatória? A resposta isolada, que der, será forçosamente incompleta e quase sempre por isso mesmo, ininteligível, ou parecerá absurda e contraditória.
Assim, nossa proposta, nesse espaço proporcionado pela internet e pelo C.E.C.A., é desenvolvermos juntos uma forma organizada e sistemática de estudar o espiritismo.
Claro que essa não é a única forma, mas é uma opção viável para tal empreendimento.
O material aqui apresentado será basicamente extraído das Obras Básicas, de Kardec, sempre entre aspas e com referência bibliográfica, para que haja possibilidade de aprofundamento do leitor no texto citado.
E para começar, propomos estudar primeiro sobre como surgiu o Espiritismo, o que estava acontecendo no mundo quando ele surgiu, quem estava à frente desse movimento, e como ele aconteceu. Vamos conhecer Kardec, quem era, o que fez e como fez para codificar a doutrina espírita. Em seguida, partiremos para o estudo dos princípios básicos do espiritismo (Deus, imortalidade, reencarnação, comunicabilidade entre os espíritos, pluralidade dos mundos habitados), buscando conhecê-los a partir das explicações de Kardec e de exemplos concretos. As leis divinas, fundamentais para a compreensão das relações que movem o mundo em que vivemos, vem na sequência.
Prontos para embarcar nessa proposta?
O início
Quando Kardec ouviu falar pela primeira vez das mesas girantes (passatempo baseado em manifestações que atraíram a atenção das pessoas na Europa) respondeu ao seu amigo: “Só acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais do que um conto para fazer-nos dormir em pé” (AUDI, 1999).
Para que possamos entender essa “resistência” de Kardec, temos que voltar no tempo e encontrá-lo ainda menino, estudioso e atento à lição de seu mestre Pestalozzi. Voltando mais ainda, saberemos que Kardec se chamava na verdade Léon-Hippolyte-Denizart Rivail, nasceu em Lion, na França, em 1804, numa família que pode encaminhá-lo para os estudos da ciência e filosofia.
Numa época conhecida como o século das revoluções, num ambiente em que a ciência aparecia e ia ganhando seu espaço contra o misticismo e fanatismo, este menino cresceu. Teve a oportunidade de estudar em Yverdon, com Pestalozzi, importante educador na época e que até hoje é reconhecido como pioneiro na reforma educacional, com seu método pedagógico que parte do mais simples ao mais complexo.
Assim o menino foi crescendo e se destacando, passando muitas vezes a auxiliar seu mestre na função do ensino. Tornou-se educador como ele, foi para Paris lecionar e fazia traduções de obras inglesas e alemãs para o francês.
Com apenas 18 anos escreveu seu primeiro livro (Curso Prático e Teórico de Aritmética) (WANTUIL; THIESEN, 1979) voltado para propiciar aos estudantes o conhecimento. Esse jovem professor enumerou, neste primeiro trabalho, alguns princípios a serem seguido na educação: Valorizar a observação das crianças; cultivar a inteligência para que o aluno descubra por si mesmo as regras; evitar toda atitude mecânica, levando o aluno a conhecer o fim e a razão de tudo o que faz; só deixar à memória aquilo que a inteligência já conquistou. Produziu outras obras, fundou uma escola, casou-se, continuou lecionando, pesquisando e fazendo projetos para a reforma do ensino francês.
Com este espírito científico e sério, já é possível compreender sua frase quando soube daquela brincadeira europeia que atraía nobres aos salões desde 1853: as mesas girantes. Vários grupos de experimentadores se formaram, muitos com o intuito apenas de se divertir. Daquelas primeiras atividades, que poderiam ser atribuídas apenas ao magnetismo, surge a brincadeira de se fazer perguntas às mesas, que passaram a responder através de códigos, como por exemplo duas pancadas para sim, uma pancada para não.
Foi convidado a participar dessas reuniões diversas vezes, não aceitava. Mas em 1855, como foi convidado por pessoas sérias que viam ali mais do que uma mera brincadeira, o professor começa a frequentar essas reuniões, sem contudo, deixar seu espírito investigador de lado.
Como ele mesmo diz: Foi ali que fiz os meus primeiros estudos sérios sobre espiritismo, não tanto pelas revelações, como pelas observações (KARDEC, 1998).
Na sequência vamos ver como se deu, então, a codificação espírita; como Kardec, a partir desse encontro com os fenômenos espíritas, organizou as obras básicas.
Bibliografia
AUDI, E. Vida e Obra de Allan Kardec. RJ: Lachâtre, 1999, p.46.
KARDEC, A. Obras Póstumas, SP: LAKE, 1998. p. 217
WANTUIL, Z. & THIESEN, F. Allan Kardec. RJ: FEB, 1979, p. 85